29.11.06

Oportunidade

Ŝanco

Oportunidade. Não era a mais veloz nave da frota, nem era a mais moderna, ou ainda a mais equipada, mas era considerada a melhor. Diziam que era tudo graças ao capitão Gael Wülf que com competência e carisma marcantes, nunca havia perdido uma só batalha. Somente as pessoas mais íntimas de seu relacionamento podiam dizer que ele estava completamente tenso na reunião que se seguia em sua nave. Felizmente, ele não estava entre amigos.

- Esquisito.

Dr. Gustavo Silveira já havia conferido os cálculos milhares de vezes, e aquilo não fazia sentido. Um ponto, um minúsculo ponto crescia na região do Cinturão de Alfa Centauro, uma pequena sujeira gravitacional e estava crescendo.

- Muito, muito esquisito. Vejam senhores, não consigo explicar isso. Parece que está ficando mais denso... O tipo de evento que observamos parece uma impossibilidade física, até o momento.

- Exatamente por isso que você foi chamado, Dr. Gustavo. Somente um homem versado em tantas ciências poderia ter uma visão ampla o suficiente para tentar entender o que está acontecendo.

- E o que está acontecendo senhor Onipresidente?

- Ainda não sabemos senhor Cassini. O que temos é apenas esta imagem que uma plataforma de mineração conseguiu mandar, antes de sumir do radar. A imagem está muito borrada, mas parece ser algum tipo de frota em rota direta para o epicentro da anomalia.

- Mas, e os radares?

- Muito pouco, a leitura é estranha. É como se esta frota estivesse em todos as posições possíveis da trajetória, e ao mesmo tempo não está. Não sei explicar melhor.

- Hum... Tecnologia desconhecida, um destino onde as leis da física parecem estar desabando e você quer nos mandar para lá sozinhos e descobrir o que está acontecendo? Isso é absurdo! Capitão Wülf, não fique aí parado! Fale alguma coisa! Me ajude a botar um pouco de juízo no Onipresidente. Precisamos de uma frota, a maior que tivermos. Capitão? Está me ouvindo?

- Como? Ahn sim, não cabe a mim discutir a ordem de meu Onipresidente, mas realmente acho que ele está certo, senhor Cassini. Acho que devemos manter o “low profile”. Quanto menos pessoas melhor.

"Quanto menos pessoas melhor."

28.11.06

Breves Arquivos - Parte 01

Nelongaj Dosieroj - Parto 01


Arquivos da Escola Espacial Euroafricana NYP-3

Digite seu nome:
Yhaussef Mirmirguts

Digite o assunto:
História

Digite o tema específico:
Origem da União Humana

Computando... AGUARDE

Ano 2008
Ameaça iminente da Terceira Guerra Mundial. Povos da China apelam pelo poder. Os Estados Unidos perdem moralmente uma guerra contra o Oriente Médio. Morre de doença misteriosa o papa Bento XVII. Conclave dificílimo gera grandes polêmicas. Três cardeais morrem durante a votação. É eleito, depois de quatro meses, o nigeriano Francis Arinze, o primeiro papa negro da Igreja Católica. No salão dos papas, o último espaço para um rosto é completado.

Ano 2009
O Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, declara guerra com todos os países que se opuserem ao poder da supremacia americana. Diz ser o primeiro imperador da Terra. Opositores o julgam o anticristo. Dá-se início à triste Terceira Guerra Mundial. Forças opositoras de todo o mundo promovem ataques de todos os tipos à América do Norte. O Natal Atômico rege o terror. Milhares de mortos nos primeiros grandes ataques.

Ano 2010
Uma série de bombas nucleares sobre a Falha de San Andreas provoca o temido grande terremoto, aguardado para anos à frente. Uma nova ilha é criada. Sem motivos aparentes, a China dizima, com fortes ataques, o Vaticano e arredores. O fim da Igreja Católica tem seu início inesperado. Antigas escrituras proféticas confirmam todo o acontecimento. A nuvem radioativa não poupa ninguém pelo caminho.

Ano 2011
Fim da guerra. A América é derrotada. Inicia-se a Supremacia Amarela. É promovida a destruição de todos os arquivos e elementos que estejam escritos em língua inglesa. Imposto o mandarim em toda a Terra. Poucos países possuem tecnologia ainda em funcionamento. Do Brasil, surge a utilização de um combustível natural antipoluente, que é distribuído para todo o planeta. De lá, também, iniciam-se missões de manutenção e repovoamento das áreas perdidas da América do Norte. Há indícios de que uma nova potência desperta, após a chinesa.

***

Ano 2087
Uma doença contagiosa e mortal acaba praticamente com a população da China. Em dois meses, quase 1 bilhão de pessoas é morta. Os países vizinhos não encontram outra solução que murar por completo o continente, isolando-o do resto do planeta. Em menos de uma semana, a Nova Muralha da China é construída, com tecnologia avançada. Altura de trinta metros, largura de meio quilômetro. Quase esgotaram-se as reservas de ferro do planeta. Mas quem ficou de fora da grande prisão amarela sobreviveu. É decretado o fim da Supremacia Amarela. Os países da Terra entram em votação para decidir uma nova forma de poder geral do planeta. É celebrado o Natal da Liberdade.

Ano 2089
A instabilidade política e o temor de uma nova "supremacia" faz com que os antigos países se unam, formando quatro supra-regiões: América (formada pelos 3 continentes americanos, com domínio dos brasileiros), Euroáfrica (Europa e África, com domínio dos europeus do norte), Oriente Médio (formado pelos países do antigo Oriente Médio e do subcontinente indiano, com domínio dos indianos) e Extremo Oriente (leste e sudeste asiático e Oceania, com domínio dividido). Segue-se uma paz armada, com as quatro regiões competindo e cooperando ao mesmo tempo. Teme-se uma nova guerra.

Ano 2092
A ponto de quase estourar uma Quarta Guerra Mundial, o planeta Terra é visitado por nolograbianos (ou nolos), provenientes do planeta Nolograb, de Delta de Capricórnio. Pousam como amigos, oferecendo tecnologia e ajuda. Graças a todas as novas possibilidades, as quatro supra-regiões decidem juntar suas forças, formando a União Humana. Cada supra-região comandará, de cinco em cinco anos, por meio de votação mundial, as diretrizes e leis de poder da nova política. É instituído como língua oficial do planeta o esperanto. E são criados gigantescos hangares para construir espaçonaves com a nova tecnologia alienígena, e ajudar os planetas da estrela Delta de Capricórnio a estabelecer a paz no universo.

***

Mais perguntas?
Igreja Católica era algo importante, não? O que aconteceu depois? O que aconteceu com a religião? E como os nolograbianos encontraram a Terra?

Insira 40 créditos estudantis

Insira 40 créditos estudantis

Insira 40 créditos estudantis

Término da conexão.

21.11.06

Polícia e Ladrão

Polico kaj Ŝtelisto

- Sabe... estou com saudades do meu irmão. Faz tempo que ele não escreve.

Danielle e Laetitia conversavam descontraídas durante o jantar. Nestes últimos três anos, as duas desenvolveram uma relação intensa, quase como mãe e filha. Os cuidados e o carinho que Laetitia dedicava a Danielle era o mais próximo de um amor materno que a mais jovem já havia experimentado. “Laetitia significa ‘alegria’ em uma língua muito antiga”, disse ao se apresentar anos antes, e a cada dia Danelle concordava com o sentido do nome da amiga.

- Ah, Danielle, não fica assim não... você sabe que ele é ocupado, trabalhando na cosmonáutica e tal, sempre tendo que ir para planetas distantes, resolver problemas, salvar o sistema solar... essas coisas – Laetitia sorriu para Danielle, que retribuiu – garanto que entrará em contato assim que der.

- Eu sei... mas de repente senti saudades. Ele sempre quis ser cosmonauta, desde criança. Conhecer o universo, descobrir planetas. No dia que ele pegou a primeira nave foi o dia que eu...

- É... mas deixa isso para lá, OK? Vamos, é hora de ir para a cama, você teve um dia exaustivo. E nada de ficar lembrando dessas coisas antes de dormir.

***

Danielle e seu irmão brincando de Polícia e Ladrão. Ele sempre quer ser a polícia. Ele tem só oito anos mas Danielle sempre deixa. Ele tem até um uniforme de capitão espacial com um monte de medalhas. Eles correm para lá e para cá, o irmão tentando pegar Danielle, mas a Danielle é maior e mais rápida e ele nunca consegue pegar ela, só quando a Danielle deixa, e ela sempre deixa, e os dois sempre ficam felizes.

- JANTAAAR!

É a mamãe. Ela fez peixe com limão, o prato que a Danielle mais gosta. Mas o irmão não gosta de peixe, mesmo que faça bem para a memória. Eles correram para a casa, e Danielle chegou primeiro. Mas chegando lá, a luz estava apagada.

Seu irmão entrou depois, iluminando parcamente o local com a luz de fora, mas já era um adulto. O rosto grave, o olhar triste de quem conhece quase todo espaço conhecido mas sente saudade de casa. Caminhou lentamente em direção à irmã, e então um estrondo.

Danielle tinha medo, mas seu irmão se virou para protegê-la. Da porta destruída, vinha uma criatura. Não, não era uma criatura, era uma máquina. Quer dizer, uma criatura. Ou uma máquina. Uma criatura-máquina, enorme, guinchando. O irmão de Danielle atacou, e em um piscar de olhos foi feito em pedaços pela criatura/máquina.

***

- Não! Não! Não!

Danielle acordou gritando, logo Laetitia chegou.

- Acalme-se, Danielle, foi só um sonho.

- Não, não, preciso avisá-lo, preciso avisá-lo agora!

- Calma, menina, foi um sonho, você sabe que foi só um sonho. Aqui, beba isso.

Mas Danielle não bebeu. Preferiu pegar o copo e estilhaçá-lo na cabeça de Laetitia, deixando a enfermeira inconsciente.

- O hangar! Preciso chegar ao hangar!

As coisas finalmente ficaram claras para Danielle. Fazia tempo que os sonhos haviam sumido, mas os três anos na instituição não foram em vão. Agora ela tinha certeza que não estava louca.

***

Anos-luz dali, em seus aposentos na Oportunidade, o capitão Gael Wülf se lembrou de sua infância, de quando brincava de Polícia e Ladrão com a irmã, e deixou cair uma lágrima de seu rosto.

Ele sempre era polícia.

15.11.06

O Vácuo

La Vakuo

O vácuo...

Uma imensidão negra e sem horizontes, estrelas silenciosas passando no vazio, apenas o som da minha respiração e um “bip” periódico avisando que o traje está funcionando perfeitamente. É disso que eu preciso, sair andando pelo lado de fora da plataforma no espaço aberto. É como meditação zen para mim, adeus preocupações. Apenas eu e meus pensamentos batendo um papinho e pondo a sanidade em dia.

Bip

Zarom parece tão pequena daqui, uma pequena bola branco-azulada. Tão calma e tão serena... Nem parece aquele inferno de vulcões de hidrogênio líquido. Não é um lugar que alguém em sã consciência gostaria de visitar, mas a União precisa de combustível. Pelo menos foi o que disseram para nós, quando nos enfiaram nessa plataforma de extração. O trabalho é duro, sem diversão nenhuma e extremamente perigoso mas o soldo é muito bom além abater uns bons quatro anos de serviço militar pela insalubridade. Arriscado? Sem dúvida, mas um bom negócio.

Bip

Dou graças à tripulação que peguei todos honestos e amigos. Formamos uma família aqui nesses últimos trinta meses, o que é muita sorte levando em consideração que a última missão que veio aqui acabou em revolta, motim, loucura e uma queda até Zarom. Ainda pode-se ver a cratera negra, maculando a alvura da superfície do planetóide. Mas não é para baixo que eu gosto de olhar e sim para cima, para as estrelas além. Nada como sentar na fuselagem externa da plataforma e ver o universo passar.

Bip

Mas ei! O que é aquilo?

- Lester? Lester?

- Na escuta, qual o galho Eric?

- Tem alguma coisa vindo pra cá!

- Hum... Não consta nada nos radares... O que você está vendo?

- Sei lá! É grande e tá vindo muito rápido.

- É um asteróide? Algum cometa não catalogado?

- N-não, parece ser um tipo de nave. Nossa é muito grande e eu acho que eles não tão vendo a gente...

- Nave? Impossível, essa rota é restrita e nenh...

- É mais de um! É mais de um! Não consigo contar quantos, é muito confuso!

- Mas o radar...

- Foda-se o radar! Olha pela escotilha idota! Como você não consegue ver essa merda? Tá aí pra quem quiser ver!

- Meu Deus! Eu tou vendo!

- Então? Tira a gente daqui.

- Não dá, os motores estão frios, vou precisar de no mínimo umas 3 horas. Fora que a ativação de emerg...SHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH

- O quê? Lester? Lester?

Droga, era o que faltava. Uma falha elétrica justo agora, estamos mortos! Mas que diabo de nave é aquela? A velocidade dela é impossível. Vamos bater.

Perto,

Perto,

Perto,

Mais perto.

O casco da plataforma está tremendo. Agh! O calor dos propulsores. Uma luz branca invade meus olhos, impossível de não ver, mesmo de olhos fechados. Está tudo chacoalhando, assoviando, pedaços de coisas se chocando com a minha roupa espacial

Então o silêncio novamente, quando finalmente volto a enxergar tento me localizar... Lá está Zarom, perto demais, mau sinal. E onde está a nossa plataforma? Tento contato. Nada, tudo se foi. Parece que realmente estou sozinho aqui, flutuando a esmo no meio do vácuo espacial, eu deveria estar com medo agora mas não estou. Tudo está tão calmo, silencioso e bonito...

Sabe de uma coisa? Faz uns quarenta minutos que não ouço um “bip”.

14.11.06

A Onda

La Ondo

Um soco bem no meio da cara.

- Eu acreditei em você, Capitão! Acreditei em tudo que você tinha dito!

Não houve resposta.

O fato do tenente Charles Beckings da Oportunidade estar em pé, de punhos cerrados, e seu capitão Gael Wülf estar no chão, se levantando enquanto limpava o sangue em sua boca, era suficiente para deixar o tenente preso por tempo indeterminado por insubordinação. Mas nada disso tinha importânica. Não quando os dois estavam sozinhos, na beirada de um penhasco, respirando o fétido e revolto ar da Colônia Sírio 1. Ainda menos quando a um deles o paraíso havia sido prometido e negado pelo outro.

- Você prometeu, capitão. Você tinha me falado da Onda, tinha me falado que era como sentir todo o universo, tinha me falado de tudo isso. Eu lutei ao seu lado, eu segui suas ordens, tudo isso para nada!

- Você prestou um excelente serviço para a União.

- Dane-se a União! Eu fiz isso por você, capitão! Porque acreditei nas merdas que você me falou! Você foi meu guia, capitão, e eu te segui, e ia seguir até o inferno!

- E agora vai me mandar para lá, é isso?

- Você tirou parte da minha vida, capitão, então eu vou tirar a sua.

O vento uivava com violência, movendo as nuvens acinzentadas pelo céu cor de musgo do crepúsculo da colônia e calando a voz turbulenta do tenente Beckings. Se ele não podia fazer sentir sua ira por meio da voz, ele então o faria pelos punhos. Que o mentiroso capitão beijasse novamente a rocha negra e fria do solo da colina.

***

Uma lembrança.

O jovem e proeminente imediato Wülf conta uma história, de sobre como ele passou meses preso em um calabouço sujo em um satélite lank durante a Guerra das Cobaias, e sobre a história que o alguilês na cela da frente contou a ele, a história das Ondas.

- ... aí o alguilês olhou pra mim com seus dois pares de olhos refletindo a minha cara barbada e suja. "De tempos em tempos", ele disse, com aquela voz esganiçada que vocês conhecem, mas sem a arrogância que vocês esperariam, "a realidade se dobra. Ninguém sabe ao certo porque ou a partir de que ponto, mas ela se dobra e se espalha por todo o universo como uma onda, como se o universo inteiro fosse uma poça d'água e caísse uma gota bem no meio. Agora, imagina uma Onda de realidade do tamanho do universo, o que ela é capaz de fazer com um ser". "Ah, tá", eu disse, "olha só, não quero duvidar dessa história toda e tal, mas se houvesse mesmo uma 'dobra na realidade', você não acha que todo mundo ia ser capaz de senti-la? Quer dizer, ninguém nunca tinha me falado disso até eu ficar preso aqui com você". Aí ele disse "Ninguém ou nenhum terráqueo? Porque meu caro, em Alguil e em centenas de outros mundos essa história é real e é disso que vivem muitos sacerdotes de muitas religiões. Aposto que na Terra tem isso também, mas como outro nome". Bom, aí eu fiquei pensando naquilo por um tempo, mas cheguei à conclusão que era viagem dele. Uns dias depois, a cavalaria chegou. Nosso exército entrou chutando a porta e liberou todo mundo. Eu estava correndo para a nave de resgate, só que, do nada, apaguei. Acordei horas depois, estava em uma câmara escondida junto com o alguilês. Quando fui perguntar para ele o que tinha acontecido, ele só respondeu, "Aguarde, terráqueo. Vou te levar para surfar a Onda".

- Era verdade então? - alguém no meio do pequeno grupo que ouvia ao imediato perguntou.

- Meu amigo, não só era verdade, como foi a maior experiência pela qual já passei em toda minha vida. Foi como comungar com o universo, foi como descobrir o significado de tudo e saber as respostas para todas as perguntas. E então, acabou.

Daquela conversa, metade das pessoas saíram revoltadas, já que estavam esperando uma história de guerra e de repente Wülff chegou com esse papo de religião. A outra metade ficou lá ouvindo por graça, achando divertido e interessante. Mas só uma realmente prestou atenção e entendeu o que Wülf dizia.

- Senhor... gostaria de saber mais sobre esta Onda... e sobre como eu posso fazer para surfá-la como o senhor.

- Pois bem, sargento. Me acompanhe, e eu te mostrarei tudo o que precisará saber. Qual é seu nome mesmo?

- Sargento Beckings, senhor. Sargento Charles Beckings.

***

Os punhos do tenente estavam cerrados com ódio, mas alguém que o observasse se sentiria mais ameaçado por seus olhos. Bem abertos, tornando a área branca bem maior do que normalmente seria, fazia com que a íris acinzentada típica da ilha de onde vinha se perdesse, evidenciando ainda as pequenas pupilas que pareciam capazes de fuzilar um homem. Tirou a pistola do coldre, sob o olhar atento do capitão a seus pés. Apontou-a para a cabeça. Os olhos miravam, o dedo tremia no gatilho.

E então jogou-a no chão.

- Não - disse Beckings - Vou te matar com as próprias mãos, safado.

Wülff sabia muito bem que Beckings era mesmo capaz de fazer isso. Não era só sua força, era seu vasto conhecimento sobre o assunto. O capitão já tinha visto seu tenente matar com os punhos antes. Várias vezes, todas sob seu comando, todas a serviço da sua nave, a Oportunidade.

Oportunidade. Era exatamente disso que o capitão precisava naquela hora. Contra todas as probabilidades, contra um inimigo mais forte e mais motivado. Um momento, uma oportunidade. Um toque no comunicador.

- Tenente Beckings! CCS chamando Tenente Charles Beckings, da nave Oportunidade, câmbio!

Por uma fração de segundo, os olhos de Beckings saíram de sobre Wülff e se voltaram para o comunicador em sua cintura. Tempo suficiente para Wülff mostrar porque ele era o capitão, e Beckings o subalterno.

Com um giro veloz no chão duro, Wülff pegou a pistola jogada no chão por seu pretenso executor, e antes que o adversário pudesse pensar em reagir, levou um tiro no joelho esquerdo, caindo no chão. Enquanto Wülff se levantava lentamente, sentindo dores por todo o corpo e mantendo a arma apontando para Beckings, este jazia agachado no solo rochoso. Seus olhos ainda mais raivosos derramavam lágrimas ácidas de ira e frustração, seus dentes cerrados não continham uma espumosa saliva de cão raivoso.

- Atenção, Tenente Charles Beckings, o Comando Colonial de Sírio requer resposta imediata! Responda, Tenente Beckings, câmbio!

- Três meses, Charles. A próxima Onda vem em fevereiro, e você a perdeu por três meses. Era tudo verdade. A experiência da sua vida. A oportunidade que você perdeu.

Antes que pudesse se arrepender, Beckings estava morto.

- Tenente Charles Beckings, este á seu último aviso, retorne a chamada ao CCS imediatamente, câmbio!

- Aqui é o Capitão Gael Wülff da nave Oportunidade, falando de Sírio 1. Infelizmente, o Tenente Beckings pereceu em combate com um grupo de piratas, o qual destruiu também nosso veículo. Enviando sinal de coordenadas para resgate. Câmbio final.

***

Naves. Muitas naves. Insígnias (e intenções) desconhecidas. Enquanto observava pelo visor da sala de planejamento da Oportunidade as naves alienígenas que se aproximavam do cinturão de asteróides da alfa do Centauro, o Capitão Wülff pensava em datas.

Uma semana atrás, conduzira um diplomata à uma negociação em Aduuhr.

Dali a alguns dias, virá uma nova Onda.

E três meses atrás, matara o Tenente Charles Beckings, o qual queria matá-lo com as próprias mãos. Mas o capitão usou a pistola mesmo.

13.11.06

Tecnorgânica I

Teknorganika I

- Uma verdadeira maravilha da natureza! Adoraria conhecer o planeta de origem dessa forma de vida. Apaixonante!

O Dr. Gustavo Silveira parecia hipnotizado pela beleza da criatura em sua mesa de dessecação. Passava os dedos trêmulos entre seus ralos cabelos brancos, afagava a barba volumosa, andava de um lado para o outro, mal contendo a excitação dessa nova descoberta.

- Dr. Silveira, o senhor realmente acredita que essa criatura é natural? Fruto da evolução?

- Sim, mas é claro! – respondeu em tom efusivo – Veja como as partes mecânica e orgânica se unem de forma "natural", crescem em conjunto.

Nesse momento o intercomunicador tocou. Era o general Berguer, responsável pelas forças-tarefa de defesa interplanetária.

- Gustavo, tenho noticias que devem agradá-lo bastante. Venha ao meu gabinete.

***

O gabinete do general Alfonce Berguer era como Gustavo esperava que fosse: espartano. O globo de iluminação pairava sobre a mesa simples de metal, iluminado os holomapas deste quadrante do universo. Alfonce observava os mapas em calma reflexão, anotando coordenadas em seu computador de mão.

- Sente-se Silveira – disse sem olhar para Gustavo – falo com você em um minuto.

Gustavo observou Alfonce em suas analises e ficou satisfeito com o próprio trabalho.

"Eu lhe dei um grande cérebro Alfonce. Você continua sendo minha obra-prima".

- Gustavo, tenho que falar com você sobre a criatura que está pesquisando no momento. Gostaria de um relatório completo.

- Claro, general Berguer. É um prazer falar sobre aquela maravilha. Infelizmente não temos muitos dados concretos. A criatura – chamamos de espécie tecnogânica I – é um misto de máquina e organismo vivo. Seu cérebro é formado por chips e neurônios semelhantes aos de outras espécies humanóides. Embora 50% do espécime seja mecânica, sua formação é orgânica. Cabos, chips, placas, tubulação... Tudo!

- Alguma idéia de como a criatura se reproduz?

- Ainda não. Eu acredito que seja através de reprodução sexual. Meus colegas acreditam que seja de forma assexuada, que eles são construídos por uma inteligência central, com matéria orgânica recolhida do ambiente. Ainda estou procurando o órgão sexual da criatura que encontramos. Espero uma resposta positiva em alguns dias.

- Espero que você esteja certo!

Berguer tocou a tela do intercom. Brenda, sua secretária, apareceu na tela.

- Entrarei em uma reunião classificação Alpha.

- Sim senhor. – respondeu desligando.

- Gustavo, nada do que for dito nessa sala deve sair daqui.

- Claro general.

- Uma frota alienígena aproxima-se do cinturão de Alfa Centauro. Quero que você analise as imagens que temos.

***

Gustavo saiu do gabinete de Berguer com o medo estampado em sua face.

Tinha apenas alguns dias para descobrir tudo o que pudesse sobre a criatura em seu laboratório.

Se sua teoria estivesse certa, nada impediria um primeiro contato pacifico. As possibilidades no encontro com um organismo biomecanoide traria centenas de anos em evolução para ciência humana, principalmente em sua área, biocibernética.

Mas e se estivesse errado? E se a tecnorgânica I for uma espécie viral, consumindo planetas em uma linha de montagem reprodutiva?

Gustavo ligou para sua esposa tentando esconder a preocupação em sua voz.

- Lesly, meu amor, prepare minhas malas para uma viagem longa. Devo acompanhar o Sr. Miguel Cassini em uma visita diplomática.

10.11.06

Desabafo de Uhrdjago

Uhrdjago Konfeso

Os desertos do Universo. Eu mataria para não morar num planeta-deserto. Não pense que o "deserto" aqui é de vazio. Pelo contrário. É cheio de areia. E insetos. E alienígenas que devoram insetos. E eu.

Estou aqui há mais tempo do que mereceria. Abandono. Fui enviado numa missão de paz em Saharaderum, numa pequena tropa. Guerra civil. Sinthadernuuns contra Saharadernuuns. O bem e o mal. Do ponto de vista deles, é claro. Todos são maus, aqui. Isto me lembra a velha história da Terra, uma tal de Revogação Francesca, Revotação Francesa, Revolução Fruteza, enfim, uma merda. Uns cortando as cabeças dos outros, quando atingiam o poder. Missão de paz pra quê? Deixem que se matem! O que importa ser o maior exportador de escaravelhos bipaquidermes, se a única função deles em todos os outros planetas é uma alternativa ao bom e velho estrume orgânico? Estrume tem em todo o Universo! Não precisamos mais importar insetos cagões há décadas. Temos clones de pré-históricos brachiosauros para tal. Que se matem!

Ah, eu mataria por comida da Terra! E já matei, aliás. Meu comandante. Estava à beira da morte, mesmo. Perdera uma perna na última investida do inimigo. Não me lembro qual dos dois inimigos. Mas era um deles, com certeza. Insetos não usam cimitarras de elemento 2387. Cortei sua garganta para preservar a carne quente e macia por mais uma hora. Mas esta comida não é tão boa. Preferia os bovinos, ou suínos.

Tudo correu bem até os malditos Saharadernuuns comerem todas as baterias que restavam de nosso comunicador extra-universal. Malditos. Era a única coisa que restava para eu me sentir realmente abandonado neste planetinha. E nada de reforços. E nada de resgate. Fomos esquecidos, aqui. Como iríamos imaginar que hiperníquel-
pentacádmio era uma exótica iguaria nesta bola de areia?

Mulheres terrestres. Eu mataria por uma mulher terrestre. Dezessete anos, três meses, cinco dias e vinte e duas horas sem sentir o acolhedor calor das coxas femininas. As mulheres, isto é, as fêmeas daqui são péssimas amantes. Talvez para um Sinthadernuum aquela coisa seja excitante. Mas para mim, é como praticar zoofilia com uma iguana de três metros. É, é com o que elas se parecem. Iguanas. Coloridas, frias e escamosas iguanas. Me senti um necrófilo, na primeira vez. E na segunda. E em todas as centenas de outras vezes. Até que resolvi aceitar a minha condição de celibatário.

Nem sei se existe ainda a União Humana. Aliás, nem sei se a Euroáfrica ainda está no poder. Não sei nada, mais. É por isso que desisto. É por isso que desabafo. Cansei de ser o único humano neste lugar horrível. Cansei de comer insetos. Cansei de contar quantas placas de titânio enriquecido que compõem esta lata-velha que eu chamo de nave. Cansei deste povinho gelado com cara de lagartixa. Cansei.

Esta é a minha última gravação, AIBT-9000. Vou encerrar as transmissões, e todos os sinais de socorro para o espaço. Lançarei você para a posteridade. Você flutuará pelo espaço sideral até que algum idiota que fale nossa língua o encontre. Daí ele saberá a verdade. Daí, ele descobrirá o abandono do onipresidente da Euroáfrica para com nosso pequeno grupo de paz. Vá! Vá para o espaço, criança! Vá! Contarei até mil, e direi adeus.


***


- Senhor! Senhor! Percebi algo estranho no quadrante extremo-nornoroeste da galáxia conhecida. É um sinal fraco, mas parece para mim uma grande explosão atômica.

- Tem razão, Fhuster. Aproxime o neoradar.

- Veja, senhor! Ali, se não me engano, era um planeta-deserto, não?

- Saharaderum. Havia uma guerra civil, lá, há uns bons anos. Foi antes do onipresidente americano assumir o poder. Todos os arquivos do governo anterior foram destruídos, e perdemos o sinal de diversas missões de paz espalhadas pelo Universo. Não me lembro se houve alguma missão para conter estes povos em Saharaderum. Bom, mas se houve, agora tenho a impressão de que eles não lutarão mais, nem pedirão socorro...

- Notificamos a perda, senhor?

- Claro, Fhuster. Mas coloque abaixo da pilha de prioridades.

7.11.06

Confusões

Konfuzoj

O céu estava escuro e frio, a chuva começava a cair no cemitério de São Zozimus.

- Sabe, você não devia ter feito aquilo com o Günna.

- Foram apenas negócios, Anja. Para negociar, a gente precisa de respeito, confiabilidade... O Günna estava passando a perna em meio mundo. Isso não era bom para mim e nem para os meus clientes.

- Mas você trabalha para a União, não? Você devia ter pedido a abertura de uma auditoria na instância de relações extra-exteriores e aguardado a posi..

- Se eu tivesse feito isso, nós estaríamos no meu velório, e não no dele.

- Nós? Ou só eu?

- Você me entendeu.

Até chegarmos em casa, Anja não falou mais nenhuma palavra. Ela sempre me dava um gelo quando eu precisava “resolver” alguns negócios à moda antiga. Era uma idealista, como nossos amigos a classificavam, não suportava injustiças, guerras, corrupção ou violência, mas no final ela sempre fazia as pazes comigo. Como resistir à paixão que existia entre nós? Se bem que algo me dizia que dessa vez seria diferente. Afinal, matar o marido de alguém não é fácil de se perdoar, ou é?

***

Vocês ainda se lembram da pulga que eu comentei antes? Pois é, uma hora ela aparece. Infelizmente ela era do tamanho de um caranguejo tarmukiano. Pelo menos foi o que começou a parecer quando ouvi os “campos” das janelas serem desligados. Ótimo, pensei, estou pelado, tomando banho e desarmado, não existe maneira melhor de ser emboscado (para os emboscadores, pelo menos).

- Cassini? Miguel Cassini? – Ecoou uma voz grossa pelo banheiro, seguida por dois típicos agentes, com seus óculos escuros, sobretudos e pontos na orelha.

- Sim, eu apertaria a mão de vocês, mas no momento estou ocupado escondendo as minhas “partes”.

- O Onipresidente precisa falar com você, senhor, imediatamente.

- Claro, deixe apenas eu me vestir...

- Ele disse IMEDIATAMENTE!

- Mas eu ainda estou nu! Você não espera que...

Crás! Uma bela porrada na minha nuca, depois a escuridão. Malditos andróides e suas ordens literais.

***

- Boa noite, Cassini, como foi de viagem?

Agh! Luz, luz forte! O cheiro de ar ionizado... Droga, estou em uma nave! Droga!

- Onipresidente Ramirez? Vim assim que me informaram que queria falar comigo, literalmente.

- Sim, fiquei sabendo... Desculpe pelos andróides, última novidade em cérebros positrônicos cognitivos. Muito bom, mas cheio de falhas.

- Algumas.

- Bem, vamos acabar com as formalidades, ok? – A pulga! A pulga surgindo! – Pois bem, o setor do anel externo acaba de informar que uma frota desconhecida de espaçonaves de tamanho abissal está a caminho do sistema de Alfa do Centauro, e adivinha qual o suposto destino?

- Ahn... Não tenho idéia, senhor – Por favor, não o cinturão de asteróides, não o cinturão de asteróides, não o cinturão de asteróides, não o cinturão de asteróides...

- O cinturão de asteróides – Droga! - Muito interessante, não?

- Alguma ligação com Aduuhr, senhor?

- Ainda não sabemos, oficialmente Aduuhr se mostra tão surpreso como nós.

- Imagino que a União não me trouxe aqui só para me informar da situação, não?

- Claro que não! Você é o nosso melhor negociador, um diplomata, por assim dizer. Quero que você bata na porta desses desconhecidos e descubra o que eles querem aqui.

- Eu, senhor? Uma operação dessas não devia ser comandada por militares?

- Se você quiser, posso te colocar na lista de convocados para a força da União.