27.1.10

Eureka

-Registro de missão 0010532A,

-Meu estado ofegante é terrível, isso me deixa nervoso demais. Preciso me controlar, me acalmar, ou tudo isso não vai adiantar nada.

-Vou ligar esse fio com este, e...

**AVISO! AVISO! ASSINATURA GENÉTICA NÃO RECONHECIDA**


**AVISO! AVISO! ASSINATURA GENÉTICA NÃO RECONHECIDA**


-Merda.

27.12.09

Fuga

Corredores, corredores, corredores seguiam em todas as direções, que não chegavam à lugar algum. A cada passo que dava, cada volta que fazia, o tenente Nigh se conformava, cada vez mais, que havia morrido.

Não eram os corpos, congelados, cristalizados, presos ao assoalho por uma gravidade artificial que persistiu ao longo dos anos. Também não era pelas formas de vida - ou seja lá o que aquilo for - que ele tinha certeza que o perseguiam, desde que se livrou de sua prisão.

Não.

A sensação crescente de abandono, de não poder, nunca mais, chegar perto do quê ou quem um dia definiram um plano de existência como sua vida, isto era o que o fazia acreditar que aquilo não passava de uma ilusão, uma brincadeira da consciência que se separa do corpo, segundos antes de nada mais existir.

Dentro daquele labirinto que, um dia, foi a esperança de um povo, ele se sentia como uma sombra pálida que ainda não soube onde repousar.

Como poderia ser isto? Aquela era uma nave - praticamente um planeta - inteiramente dedicada à exploração e formação de um lugar onde os povos colocavam sua esperança, onde todos apostavam suas fichas para um novo lar.

Era como mudar de cidade, sabe, com a singela diferença de que você estava indo para um lugar provavelmente habitável, à décadas luz da Terra, e que você provavelmente passaria a maior parte da viagem dormindo, em um estado criogênico, protegido e guardado dentro do núcleo central, o coração da nave, e um dos únicos 3 ambientes inteiramente feito com uma liga de tantos elementos da tabela periódica que deixariam qualquer químico orgulhoso, desde o primeiro até o último quadrante do universo conhecido.

Era necessário, já que o objetivo central de tudo aquilo, o transporte de humanos, precisava de toda a proteção possível, para ser bem sucedida.

Não... não, não, nada poderia ser assim. Se negava a acreditar que tenha tido a má sorte impressionante de acabar assim. Estava sonhando, e a menor sensação de dor...

...e foi aí que viu o risco cauterizante de peptidios no traje espacial, e teve certeza de que aquilo era absolutamente real.

Havia se acertado acidentalmente, quando usou um dos bastonetes laser para evacuação da cabine do caça - e que nenhum daqueles malditos cadetes digam novamente que não servem para nada! - e foi uma sorte ainda dispor de suco enzimático para a cauterização do traje, que absorveu 90% de todo o dano.

Sangrava, é verdade, mas já havia chegado à um ponto onde a dor apenas lanceta, formigando o tecido, e agora era uma questão absoluta de tempo para que ela ficasse abaixo do suportável. Os peptideos também, ele acreditava. Talvez, aquela invençãozinha funcionasse também em corpos, por que não?

Ao menos, ainda respirava sem sentir qualquer penalidade pelo ferimento, e isto era um bom sinal. Ainda mais que, da última vez que deixara o módulo de sobrevivência avançada ligado tempo o bastante para fazer uma sondagem, foi informado por aquela voz irritante, metálica, andrógina, de que suas chances de sobrevivência superiores à 90%.

Bem que ele queria acreditar naquilo.

1.9.09

Amanhecer IV

Matenigxo IV


- O que você tá olhando? – Dr. Kaji Matsumoto visivelmente desconfortável no balançar constante do veículo de seis rodas e engenharia planejada para pesquisas e explorações científicas.


- Não abriu a boca o percurso todo. Justo o membro mais tagarela da tripulação. – responde Tibério, com ironia, abraçado a um fuzil, seu capacete dançando ao lado acompanhando o balançar do veículo. – Algum problema? Saudades das cafeteiras mamíferas?


- Sabe que não. – Kaji respira fundo, tenta se ajeitar melhor no assento. – é porque não gosto desse oxigênio reciclado artificialmente, não podemos usar nossas reservas?


- Claro que sim! Afinal, pra que precisaríamos de oxigênio no caminho de volta? – modificou o tom de voz em deboche, voltou à seriedade. – Nossas reservas estão acabando, sabe disso. Precisamos economizar o máximo possível, e como nossos sensores estão quebrados, não temos certeza da segurança dessa atmosfera. Mesmo com essas coisas sendo humanas.


Ao redor dos dois, outros três homens armados perdidos em seus próprios mundos e divagações. Uma luz vermelha ao lado de Tibério pisca, ele soca o botão abaixo. “Capitão, acho que vai querer ver isso!” Foi o que de lá saiu.


Tibério coloca seu capacete, chuta o computador de mão na direção de Kaji e ambos saem do veículo.


- É, parece que chegamos. – comenta o Capitão Gallore ao dar de frente com uma imensa nave colonial.


***


Duas horas depois, a equipe de exploração termina e repassam as informações para o Dr. Matsumoto que logo se reporta ao Capitão.


- É uma Fragata Colonial Classe B. Tem centenas de anos, provavelmente do primeiro êxodo colonialista.


Como se não desse ouvidos, Tibério vai em direção a nave, limpa a sujeira de uma parte da fuselagem, aparece nela escrito “Amanhecer IV”. A equipe inteira fica em silêncio por segundos que pareceram horas.


- Já verificaram o interior da nave? – Tibério quebra o silêncio.


- Ainda não senhor, o cortador de metais está sendo preparado para isso. – um dos oficiais-cientistas ao fundo se levantando após coletar amostras.


Kaji olha para os lados com desconfiança, procurando algo, então se abaixa e verifica o solo.


- O que foi? – era Tibério.


- Não percebeu? – Matsumoto mostra a região ao redor. – Essa nave prova que eles são humanos, mas não há nenhum por aqui. Não é normal um humano se afastar do abrigo, ainda mais um tão seguro.


- Tem certeza de que olhou para eles? Podem ser muita coisa, mas não são normais. Tornaram-se quase bestas, não devem se comportar como humanos. – levanta o fuzil, verifica o pente, engatilha e trava. – Afinal, já tem alguma teoria de como os colonos chegaram a isso?


- Não temos nossos sensores de atmosfera, mas pelo que conseguimos das amostras de solo e das condições da própria fragata posso afirmar que houveram agressões nucleares contra eles. – ao fundo, o cortador de metais é ativado e inicia seu trabalho. – Não duvido nada que piratas tenham atacado nossas naves coloniais em tempos antigos.


- Quer dizer que a radiação os deixou assim? – Tibério levanta a mão direita e faz alguns gestos ordenando que os fuzileiros se posicionem próximos da passagem sendo aberta. – E você querendo arriscar respirar na atmosfera desse lugar...


- Não posso garantir que a radiação é a responsável, nunca vimos que tipo de mutação ela pode causar em ambientes não controlados. Pode tanto ter sido só isso como também a soma dela as exigências impostas pelo planeta ou mesmo ela não ter nada a ver com isso e estarmos diante do caso de evolução adaptativa de uma espécie mais rápida já presenciada.


- Por favor, por favor. – apóia o fuzil no chão e abaixa a cabeça em decepção. – Seja o cientista que todos sabemos que é e responda qual a opção mais provável? A, B ou C?


- B... – Dr. Matsumoto responde visivelmente a contragosto.


- Ok, temos aberrações genéticas vindas de radiação. Sorte termos aprendido a não brincar mais com isso. – cai um pedaço de metal da nave, ao ouvir o som, Tibério empunha o fuzil e antes de ir fala com Kaji. – Só quero mais um favor, verifique nos arquivos históricos da frota, quero saber quantas outras naves coloniais não responderam e nem nunca foram localizadas.


Tibério entrou na nave liderando os fuzileiros, vasculhando tudo ali dentro em uma mistura de melancolia com apreensão. Ossos humanos roídos em alguns aposentos, tudo apagado, ruídos esganiçados da fragata corroendo, se rendendo ao tempo. A equipe faz a varredura completa em quarenta minutos, com apenas um ter algo para reportar. Uma espécie de túnel abaixo do painel principal na ponte de comando. Pouco depois, toda a equipe de exploração está lá dentro, analisando esse túnel e tentando recuperar os dados de navegação da nave. Tibério se aproxima de um dos cientistas, sem tirar os olhos do túnel e pergunta:


- Vai demorar muito?


- Não senhor! Em três minutos teremos todos os dados transferidos. – respondeu o homem, concentrado em sua função, por menos necessário que seja se concentrar em transferir arquivos.


Tibério se distrai com um chamado em seu comunicador pessoal, parecia uma mensagem de socorro emergencial. Era gravada. Vinha de Imperatriz e dizia algo como “SOS... SOS... Estamos sob ataque... As cois... emboscaram! Aaahhhhhh!”


- Droga, já sei por que não vimos nenhum deles o caminho todo! – Tibério corre na direção do túnel. – Porque eles vivem no subterrâneo!


- De fato, faz sentido dada a palidez da pele deles. – observa Kaji, a despeito da euforia escondida pelo capacete do Capitão.


- Não é isso! Eles emboscaram Imperatriz! Nossa nave está sob ataque! – puxa Dr. Matsumoto pelo colarinho.


– Todos em posição! Recolham os equipamentos! Retorno de emergência e resgate para Imperatriz. Temos dois minutos!


***


A equipe de exploração retorna no menor tempo que pode, mas não é o suficiente. Ao entrarem na nave, tudo o que vêem é sangue, tudo o que cheiram é morte. Corpos de seus amigos, companheiros, amantes, irmãos em pedaços, os que estão inteiros não são reconhecíveis. Tibério segura as lágrimas e o soluço durante os comandos, vai até a ponte e estuda o painel de controle temerário pela luta tê-lo avariado.


- Sargento-Cientista Kernel! – grita, sendo prontamente atendido por um homem baixo, loiro e usando óculos imensos. Extremamente desajeitado, ele tropeça em duas cadeiras antes de se aproximar do Capitão e bater continência. – Parabéns, é agora por falta de opções melhores um oficial-militar e foi promovido para Tenente. Procure não me decepcionar e verifique o estado do motor de nossa menina.


- O-obrigado Capitão! Sim Capitão! – e lá foi ele, tropeçando nas mesmas duas cadeiras.


- O que foi isso? – perguntou Kaji ao presenciar toda a cena.


- Estou recuperando a ordem na tripulação. – tentava não encarar o amigo, passou por ele e se sentou em sua cadeira habitual. – Podem não ser militares, mas tem treinamento, até sairmos daqui e renovarmos os tripulantes precisamos de tudo possível para nos manter em ordem e vivos nesse maldito planetóide fim de mundo. Imagino que saiba que os acontecimentos te tornam meu Imediato.


- Vai mesmo ignorar todas essas mortes como sempre faz? Fugir da realidade? Seus subordinados morreram! Lide com isso!


- Eu estou lidando! Mantendo os que sobreviveram sob ordem para que não acabem se afastando e morrendo como os outros! Fala como se fosse fácil estar no meu lugar! Não é! Você recruta pessoas, convive com elas até amá-las mais do que sua família, então vê seus braços e pernas separados de seus corpos! – se levanta, espalhando perdigotos pelo capacete e levantando o punho cerrado contra o centrado cientista. – E mesmo assim, enquanto recolhe seus pedaços, tem que se manter rígido e não esquecer que qualquer deslize pode te tirar os poucos que sobraram, mesmo que a chance deles sobreviverem seja menor que a de uma ninhada de gatos!


- Senhor! – o agora Tenente Kernel retorna batendo continência. – Tenho péssimas notícias.


- Ah, merda! O que foi agora? – Gallore se vira angustiado, por segundos leva as mãos ao coldre com vontade de puxar a arma e matar Kernel e Kaji ali mesmo para acabar com as noticias ruins e cobranças.


- Os... Os motores estão arruinados Capitão! Disseram que não há esperança nem de concerto. – dá dois passos para trás temendo ser punido. Mas de forma inesperada o Capitão Gallore suspira e desaba em sua cadeira cabisbaixo.


- Kaji, ainda temos tempo para responder às ordens do General Berguer?


- Creio que sim, se usarmos a energia restante na Imperatriz podemos fazer com que ela chegue antes da recusa enviada.


- Então tem sua primeira ordem como Imediato, Dr. Matsumoto. – recobra o orgulho. – Responda a ordem com afirmação, peça para que ignorem qualquer mensagem nossa posterior, mas avise que vamos precisar de carona. Só que dessa vez, em uma nave com aposentos decentes.


- Você sabe que ele vai odiar saber que perdemos outro cruzador.

17.6.09

Inumanos

Nehoma

- Capitão! - gritou um homem franzino, quase imperceptível em meio a outras pessoas, entre urros de fuzis e pistolas. - capitão! Estamos errmmm... - Mais tiros e um grito de agonia que não arrepiaria uma espinha, a faria em pedaços. -... estamos sofrendo de problemas inesperados.

Poucos instantes depois, a comporta da nave se abre e uma rampa desce. Dela sai um homem alto, imponente, com a barba por fazer, cabelos escuros e olhos atentos. Vestindo um fino traje militar com incontáveis botões com funções das quais ele mesmo provavelmente não se lembra.

É Tíbério Gallore, capitão de Imperatriz e uma lenda entre seus tripulantes. Assim que pisa no terreno árido e inóspito vê os tais problemas inesperados, seus soldados atirando quase em pânico contra coisas que parecem humanas, mas não podem ser. Ele vê e percebe que o confronto era injusto, cinco das coisas contra apenas três de sua tripulação.

Tibério não tinha notado uma que escalara Imperatriz, mas que logo se fez notar com um rugido esganiçado e prontamente saltou contra o capitão que quase ao mesmo tempo olhou para cima, deu um passo para a direita, se abaixou e sentiu o monstro passar a centímetros de suas costas. A coisa assim que tocou o chão tomou novo impulso contra Gallore que já tinha fechado o punho e retraído o braço direito, respondendo com um soco forte na cara cheia de saliva e dentes que avançava contra ele. A criatura estava desacordada.

O Capitão Gallore então olha para sua equipe e leva a mão ao coldre, nesse momento ele se lembra que esqueceu sua pistola sobre o criado mudo e então pragueja enquanto corre na direção do confronto.

- Atirem na cabeça! Atirem na cabeça! É uma ordem! - Ele gritava para seus tripulantes que pareciam não ouvir e acertavam no peito, nas pernas nos braços e se esquivavam de golpes.

Tibério então chega, pega o braço do homem franzino que o chamara e coloca o dedo no gatilho da arma.

Cinco tiros. Cinco quedas.

Ele arranca a arma da mão do homem e a trava. Todos os soldados tremiam feito crianças, ouso dizer que alguns até molharam as calças. Felizes de terem trajes impermeáveis.

- Droga Célio! Eu disse para atirarem na cabeça! - gritou o Capitão disparando perdigotos contra cada um dos envolvidos.

- Qual seu critério para decidir que atirar na cabeça seria o mais correto? - Desce da nave um jovem asiático, de óculos bem desenhados, cabelos milimétricamente arrumados, com um computador de bolso a mão fazendo anotações.

- Porque seria mais rápido e mais econômico. - Tibério faz com a mão um gesto que é prontamente atendido pelos homens, fazendo-os ir até a nave. - Muito conveniente para você só colocar esse traseiro magrelo para fora da nave depois que nós arriscamos os nossos. Explique-me Kaji, por que ainda mantenho você na tripulação?

- Porque sem mim você teria pelo menos 25 mortes entre suas estatísticas pessoais.

O Capitão ficou em silêncio, odiava dizer qualquer coisa como "faz sentido", "tem razão" ou o dolorido "obrigado". Mas Kaji já estava acostumado.

- Como sabia que a cabeça era o ponto mais frágil?

- Porque eles parecem com humanos, e se nos humanos a cabeça é a área mais frágil, neles também deveria ser. - O capitão conclui, entregando a arma para Kaji e se abaixando para analisar os corpos.

- Acho que só para você isso faz algum sentido.

Gallore vira os corpos tombados e vê que são realmente parecidos com humanos, mais altos, mais magros, pálidos e totalmente desprovidos de pelos, além de dentes afiadíssimos e olhos negros, profundos. Ele também notou que sua pele é demasiado elástica, quase uma borracha, o que explicava o fato de poucas balas terem penetrado o corpo. Mas em compensação, suas cabeças tinham pele mais fina, quase uma membrana. Eram aberrações.

- Alguma idéia do que essas coisas sejam? - Tibério olha para cima na direção de Kaji.

- Nenhuma. Mas posso dizer que são uma descoberta científica memorável. - Kaji então recebe uma mensagem em seu comunicador.

Tibério se levanta, suspira, tenta encaixar o raciocínio em seu devido lugar.

- Então que conste nos autos. - chuta a cabeça de uma das criaturas mortas. - estou extremamente satisfeito por colaborar com o avanço da ciência.

O Capitão vai na direção dos soldados e verifica se eles sedaram o alienígena desmaiado. E junto com eles o leva para dentro de Imperatriz.

****

- O que descobrimos? - Era Tibério, cansado de esperar 5 horas pelos exames de Kaji, foi até ele perguntar o que tinha conseguido.

- Primeiro que o sinal nesse fim de mundo é uma porcaria. Segundo, estamos de frente para a primeira mutação genética humana não monitorada que se tem notícia. - entrega uma prancheta para Tibério. - Agora tem outra façanha científica para colocar nos autos como sendo descoberta sua. - Sorri com ironia.

- Calma aí, quer dizer que essa coisa é um humano?

- Capitão Gallore! Doutor Matsumoto! - os interrompe um homem negro, alto e muito forte batendo continência e demonstrando respeito sincero pelos dois superiores dentro daquela sala.

- À vontade, tenente.

- A presença do senhor está sendo requisitada na ponte de comando para as permissões de liberação dos veículos de pesquisa.

Tibério e Kaji então se dirigem para a ponte de comando, lá chegando, torna-se notável a variedade étnica da tripulação. Isso se deve ao fato de Imperatriz ser uma das naves pertencentes à Força de Ordem Humana. Um exército militar criado em uma tentativa de união das supra-regiões a fim de tratar dos assuntos humanos sem arbritariedades, como os povos alienígenas fazem. Mas isso não deu muito certo já que as poucas naves participantes são apenas designadas para missões diplomáticas de pouca importância e de exploração de futuras colônias. Bom, a missão sofreu sérias reviravoltas nesse caso.

- Reporte as unidades envolvidas na missão de reconhecimento, Primeiro-Tenente Kaneda.

- Usaremos nossos três veículos de exploração com três soldados em cada, Capitão. - Respondeu o homem baixo com traços e severidade dignos de um samurai.

- Quer dizer que cabem mais dois? - Perguntou Tibério, que foi prontamente fitado com curiosidade por Kaji.

- Depois de suas descobertas, creio que vai querer ir também.

- Acertou, mas por que você também vai?

- Porque vamos finalmente ter alguma ação.

- Capitão! - Um homem, na casa dos 25, loiro e mirrado com um comunicador avançado na cabeça levanta a mão e se vira para Gallore e Matsumoto. Consegue a atenção de ambos. - Acabamos de receber um comunicado criptografado do General Berguer, ele ordena que deixemos de lado a missão atual e que partamos imediatamente para os limites de Alpha Centauri. Nossa missão é investigar a região na qual o corpo tecnorgânico foi descoberto.

Tibério parou por um instante, olhou a tripulação, suspirou e respondeu:

- Qual a cadência de transmissão, Oficial Lahm?

- Cerca de oito horas terrestres, Capitão.

- Responda com recusa, nossa missão é muito mais importante, e foi dada por alguém superior a ele. - o Capitão Gallore percebe temor nos olhos de Kaji.

- Tenente Kaneda, ordene que as equipes de exploração se posicionem, partiremos em quinze minutos.

Kaneda responde com uma continência e vai até um microfone comunicar as ordens a todos da nave.

- O que está olhando Dr. Matsumoto? Sei que você odeia a idéia de não poder estudar essas suas amadas aberrações técnobiológicas. Mas veja pelo lado bom, te deixo até dar um nome para nossas monstruosidades. Além do quê, não vou precisar te agüentar falando sobre elas como um fanático evolucionista, penso vendo você que deve ter sido um porre conviver com Darwin. – Tibério vai em direção a saída. – Agora vá arrumar seu equipamento de estudos. Temos trabalho a fazer.

11.1.08

Renovatio

O farfalhar do material plástico denunciava que a incubação já havia começado. Logo, lânguidos gemidos começaram a ecoar, e pequenos solavancos onde outrora havia uma cozinha começaram a se tornar freqüentes.

Não... por favor, ele não...” – foi o único pensamento que pôde passar pela mente do tenente Karl “Nigh” Gaerfner, enquanto observava aquilo que, poucos minutos atrás, fora seu melhor amigo.

-Resiste Was!

Mas, somente gritinhos e gemidos foram em sua resposta. Na mesa, literalmente soterrado por plásticos e outros materiais termo-isolantes, o também Tenente Nikkolai “Was” Heinderrs ainda dava sinais de que sua consciência agüentaria mais. Bem mais. Agüentaria, simplesmente, o pior. Ao redor dele, criaturas o observavam, pacientes, analisando tudo o que lhe ocorria.

Já haviam se passado 4 – talvez 5, ele se corrigiu – dias terrestres, desde que aquela missão diretamente ao circo de aberrações lhes fora sancionada, e ele não poderia deixar de se sentir culpado por tê-los levado deliberadamente até ela. Ele estava triste e melancólico com o final daquela relação que o havia feito saber quem era por grande parte de sua vida, e ele precisava de um pouco de aventura. Portanto, nada mais claro que, quando um sinal fraco mas indistintamente humano fora sentido de um ponto considerado como “terras hermas” do espaço de Zeta, ele seria o primeiro a se oferecer. Claro, quem poderia pensar que um sinal de resgate de uma freqüência tão conhecida poderia significar “armadilha mortal com coisas que possuem corpos”?

Ele fora avisado, é claro. Bem, isto é, se você considerar uma lenda para assustar recrutas da Força Aeroespacial da União como um aviso mais do que consideraria uma daquelas histórias de fantasmas que são vistas, em alta definição, por lobinhos e escoteiros, mostradas por tios imbecis que perdem o tempo comprando esses discos laser.

De todas as histórias que ali foram contadas, desde os dragões de néon que circundam as naves daqueles que estão marcados para morrer em Pégaso-51, até os devora entulhos dos buracos negros, aquela parecia ser a mais improvável. Afinal, quem acreditaria que uma sucata, como a Renovatio – antiga nave-colônia exploradora da União, antes mesmo que a União fosse “A União” – estivesse mesmo possuída pelo mal? Ou, por algum membro da guilda de Anthérion? Ou seja lá o que for que você acha que faz o contrário do que você gosta? Aliás, um mal com um senso de humor muito pobre, para tomar uma nave onde seu nome quer dizer nenascer, renovação, e abrir nela sua fábrica dos horrores.

Mas, ali estava ele, preso, o único dos 4 enviados que ainda usava seu traje espacial, já que era o único que ainda precisava de algum tipo de suprimento de oxigênio. Aliás, segundo lhe constava, ele era o único dos quatro que ainda era humano.

E isto parecia apenas uma questão de tempo.

11.6.07

Eu Sou

Mi Estas

Cambaleante, um pé, o outro, uma mão na parede. Números, números um e zero andando em seqüência na frente dos seus olhos, difícil de pensar. Concentrar. Computador, precisará traduzir os zeros e uns em seqüência que manuscreveu a noite toda e que ainda superpovoam sua cabeça. Um pé. Outro. O corredor é longo imenso, embora se lembre dele como curto. Difícil caminhar. As paredes de metal da Oportunidade não oferecem apoio. Um pé. O outro, não. Joelhos no chão, precisa se levantar, precisa continuar. Queda sobre a cadeira. Difícil falar, difícil pedir.

- Computador...

- Bom dia, doutor.

- Análise...

Abrir leitor, inserir dados. Tarefa simples para qualquer criança, mas heróica quando tudo que está na sua mente é 1 1 0 1 0 0 1 0 1 0 1 0 0 0 1 0 1 1 0 0 1 0 1 0 1 1 1 infinitos. Um som agudo, ouvidos dóem, olhos fecham. E então o silêncio, a clareza. Finalmente o dr. Silveira era ele mesmo nesta manhã.

Sem ruído algum, uma folha de papel foi emitida às mãos do cientista. Estranho, uma vez que não foi acompanhada de um cordial "sua análise está concluída, doutor", o que obviamente impedia que o doutor respondesse com um cordial, ainda que desnecessário, "obrigado".

Inconscientemente trêmulas, as mãos de Gustavo seguravam o papel diante de si. "Curioso, porque estou sentindo isso?" A mente de um cientista é algo realmente interessante, uma vez que, dentre todos os seres do universo, são os únicos cujo cérebro tem a capacidade de qestionar a razão de qualquer coisa, desde a existência de uma divindade superior até uma coceira no dedinho do pé esquerdo.

E então ele leu.


Eu sou o medo
Que vós tendes daquilo que escapa de vossa limitada percepção;
Eu sou a incerteza
Que vós sentis ao deparar-vos com as possibilidades infinitas do futuro;
Eu sou a desconfiança
Que vos torna incapazes de crer em teus pares e vos pondes equivocadamente acima de teus semelhantes;
Eu sou a desavença
Germinando lentamente em vossos cérebros incompatíveis;
Eu sou a solidão
Que vos assombra por serdes incapazes de encarar o infinito sem tentar vos comparar a ele;
Eu sou o silêncio
Que vos toma e torna vosso conhecimento inacessível e limitado;
Eu sou a dor
Espalhando-se inexoravelmente em vossos corpos e em vossas mentes;
Eu sou a cegueira
Que impondes a vós próprios quando impondes parâmetros mínimos a uma verdade cósmica;
Eu sou a dúvida;
Eu sou a corrupção;
Eu sou a mentira;
Eu sou a morte
E eu sou vós.


Contemplou o texto por um tempo, depois releu. Um poema. Um poema de morte. Uma mensagem, um aviso. Uma forma de comunicação de uma inteligência desconhecida. E hostil. Uma ameaça.

Não se desesperou, se alarmou e sequer seu coração deu-se ao trabalho de acelerar seus batimentos. Mas seu cérebro respondeu.

Eu sou o medo
Que vós tendes daquilo que escapa de vossa limitada percepção;

"Eu não temo, eu busco. Se há algo que me escapa, eu não descanso até entendê-lo; se minha percepção é limitada, eu crio os meios para expandi-la."

Eu sou a incerteza
Que vós sentis ao deparar-vos com as possibilidades infinitas do futuro;

"Não hé incerteza, há a ignorância. E minha existência dedica-se a erradicá-la. As possibilidaes do futuro são tão infinitas quanto a minha capacidade de reduzi-las."

Eu sou a desconfiança
Que vos torna incapazes de crer em teus pares e vos pondes equivocadamente acima de teus semelhantes;

"Desconfiança só afeta aqueles incapazes de encontrar o denominador comum em um ponto de discórdia. Ninguém está acima de ninguém, todos evoluímos e temos nosso lugar no universo."

Eu sou a desavença
Germinando lentamente em vossos cérebros incompatíveis;

"Nossas diferenças nos fortalecem, um cérebro complementa o outro. Somos individualmente limitados, mas unidos nossas realizações são incomensuráveis."

Eu sou a solidão
Que vos assombra por serdes incapazes de encarar o infinito sem tentar vos comparar a ele;

"Sim, comparo-me ao infinito, mas não me sinto insignificante. Apenas percebo que ainda há muito a ser descoberto, o quão imensa deverá ser nossa criatividade para preencher tanto espaço."

Eu sou o silêncio
Que vos toma e torna vosso conhecimento inacessível e limitado;

"Então eu sou a voz, e todos, inclusive eu, seremos ouvidos."

Eu sou a dor
Espalhando-se inexoravelmente em vossos corpos e em vossas mentes;

"Aqueles que sentem dor são os únicos capazes de realmente valorizar sua existência. É isso que torna as criaturas vivas mais perfeitas que qualquer máquina."

Eu sou a cegueira
Que impondes a vós próprios quando impondes parâmetros mínimos a uma verdade cósmica;

"Parâmetros existem para serem destruídos. A verdade só é verdade até que seja desvendada como mais uma mentira. Se não a conheço, certamente lutarei para conhecê-la."

Eu sou a dúvida;

"Eu sou a descoberta."

Eu sou a corrupção;

"Não se vende a própria vida."

Eu sou a mentira;

"Então sois efêmero."

Eu sou a morte

"Eu sou meus filhos, meus netos, bisnetos... sou infinito!"

E eu sou vós.

"Eu sou a inteligência da vida. Sou a única coisa capaz de vos deter."




Inspirado pela música "Cosmic Fusion", do Ayreon, parte da ópera metal "Into the Electric Castle"

3.4.07

Estranhos Estranhos

Stranga Nekonatoj

Se você acorda pela manhã e, quando olha para o espelho, não vê a si próprio, o que faz? O que pensa? Exatamente. Era isso que o Capitão Gael Wülf sentia naquela manhã. O reflexo que olhava de volta inquisitivamente pouco lembrava sua própria face. Um fantasma, um zumbi, era isso que via. Um olhar morto, um rosto cadavérico, pálido. Dias sem dormir, e quando dormia era certeza de pesadelo. O capitão da Oportunidade aguardara ansiosamente pela chegada da Onda, o raro fenômeno cósmico, agora iminente, mas não queria que fosse daquele jeito. Não com tanta gente, não com uma crise de alienígenas nunca antes vistos e potencialmente hostis a ser resolvida. Wülf agora entendia. A Onda era como uma droga, que desperta sua consciência para a multiplicidade, infinitude e infimidade do universo, mas, ao contrário dos químicos, ela não destruía seu corpo, ela o fortalecia. Mas ela viciava.

- Capitão – chamava a imediata Torres pelo intercomuncador. – é melhor o senhor subir à ponte.

Caminhando passos lentos e arrastados de quem acabou de acordar, ainda que a última vez que tenha de fato acordado tinha sido já há algum tempo, o capitão passava pelos corredores de sua nave, sua casa, como Geni entregava-se ao homem do zepelim na antiga parábola. A altivez de herói de guerra havia sumido, o respeito que era de se esperar de quem já havia executado tantos feitos grandiosos não mais era inspirado em ninguém. Pena. Era isso que Gael despertava nas pessoas naquelas horas.

A porta abriu, silenciosa, enquanto o capitão tentava se recompor para encontrar sua tripulação. Os olhos de seus oficiais o perseguiam, mas ele não podia fugir. Ele era o capitão da Oportunidade, oras.

- Bom dia, imediata, o que tem pra mim?

- Bom dia, senhor. Os sensores detectaram múltiplos buracos de minhoca do lado oposto do cinturão de asteróides.

- Quando isso?

- Acabaram de chegar, senhor. Até o momento contamos dezesseis naves grandes, possivelmente naves-mãe. Tentamos entrar em contato, mas a estrela tá bloqueando o sinal.

- Vamos manobrar pra conseguirmos sinal. Se tem dezesseis naves, devem ser de alguma raça com quatro dedos em cada mão. Temos alguma informação sobre alguém que teria o que fazer pra essas bandas?

- Mehdikhani? – a imediata virou-se para um dos oficiais, um rapaz moreno que não tirava os olhos de um monitor.

- Um momento, senhora... aqui. Parece que fechamos um acordo com Aduuhr há algumas semanas que dá a eles o direito de explorar o lado de lá do cinturão.

- Ah, que ótimo! Mandam minha nave para um sistema e nem me avisam que não tenho jurisdição sobre ele todo!

O capitão estava transtornado. Controlando-se, mas transtornado. Não era nem o problema de de repente ter que lidar com uma outra raça sem estar sabendo. Isso, Wülf já havia feito milhares de vezes antes. O problema era a Onda. De novo, a Onda, a maior resposta e fonte de perguntas de sua vida. Antes que fosse capaz de concluir sua odiosa linha de pensamento, o jovem Mehdikhani interrompeu:

- Tem mais, senhor. Quem fechou o acordo foi nosso hóspede, o senhor Cassini.

O Capitão suspirou, coçou os olhos e resmungou:

- Mandem o senhor Cassini subir aqui.

***

Em comparação ao sério silêncio da ponte, a chegada de Miguel Cassini, quarenta e cinco minutos depois que fora chamado, parecia uma tempestade. Não que fosse particularmente barulhento, mas sim porque a tripulação estava atipicamente quieta.

- Quem morreu?

- Cassini, por que tem aduuhranos do outro lado do cinturão de asteróides? - logo se via que senso de humor não era o forte do Capitão.

- Pois é, não te contaram? Eles trocaram cinco anos de combustível pelos direitos de explorar aquele lado do cinturão, vai entender.

Dentre todos os presentes, Gael Wülf era o único que entendia. E não gostava nem um pouco do rumo que aquela história estava tomando.

- Vem cá, Cassini. O almirante da frota deles tá na linha.

O capitão levou seu colega negociador até um dos terminais de comunicação no sobrepiso.

- Na tela! - ordenou, fazendo com que o grande visor deixasse de exibir o espaço fora da Oportunidade e passasse a mostrar uma criatura de longos pêlos marrom-acinzentados, lábios protuberantes à frente de um longo focinho, trajando vestes soltas, porém ricamente detalhadas. O líder aduuhrano parecia ainda mais áspero do que era de se esperar de um dos seus. E então Miguel o abordou. Em aduuhrano, claro.

- Glukta viiz, hamaak je tuun. Hanja-nii guk, mih-ti ne cluuhz.

O almirante riu do outro lado da linha.

Observando sem entender, Wülf mostrava-se tenso. Afinal, se Cassini escolhesse dialogar com o alienígena em esperanto ao invés de aduuhrano, o sistema de tradução funcionaria e as palavras do almirante seriam gentilmente legendadas a todos que quisessem lê-las.

O diálogo prosseguiu por alguns minutos, até que algum dos dois de despediu e o outro desligou.

- O que você tá escondendo, Cassini?

- O quê?

- Porque não conversou com ele em esperanto pra todo mundo entender?

- São pequenos detalhes da diplomacia que eu não espero que seja capaz de apreciar, Capitão. E então, quer saber o que a gente conversou?

O diplomata achou que o resmungo de Wülf queria dizer "sim", e então explicou:

- Primeiro, o Almirante Haashtah perguntou se estávamos a par da presença destes "desconhecidos", e se a gente sabia alguma coisa sobre eles. Disse que sim, estávamos a par de sua chegada iminente, mas não conseguimos descobrir nada sobre eles. Ele me falou algumas coisas técnicas que depois traduzirei com calma para perguntar para alguém que tenha algum conhecimento sobre rebimboca da parafuseta, e então ele disse que uma das filhas dele está para completar dezenove anos e que ele gostaria que esse assunto fosse resolvido logo para aproveitar a festa da menina.

- Nada de útil.

- Ah, ele também pediu que eu te agradecesse pelos reforços neste momento de crise.

- O quê? Mas que ref...

- Senhor! - uma jovem oficial de olhos puxados e pele cor de cobre interrompeu impetuosamente - Múltiplos buracos de minhoca no quadrante alfa, senhor! Sete, nove, treze... quinze naves classe B ou C!

- Mas que merda... Contato, rápido!

- Procurando... sim, contato visual, senhor! Mas...

- Mas o quê, criatura?

- É a insígnia do Leão Branco, senhor! São naves da Euroáfrica!