1.9.09

Amanhecer IV

Matenigxo IV


- O que você tá olhando? – Dr. Kaji Matsumoto visivelmente desconfortável no balançar constante do veículo de seis rodas e engenharia planejada para pesquisas e explorações científicas.


- Não abriu a boca o percurso todo. Justo o membro mais tagarela da tripulação. – responde Tibério, com ironia, abraçado a um fuzil, seu capacete dançando ao lado acompanhando o balançar do veículo. – Algum problema? Saudades das cafeteiras mamíferas?


- Sabe que não. – Kaji respira fundo, tenta se ajeitar melhor no assento. – é porque não gosto desse oxigênio reciclado artificialmente, não podemos usar nossas reservas?


- Claro que sim! Afinal, pra que precisaríamos de oxigênio no caminho de volta? – modificou o tom de voz em deboche, voltou à seriedade. – Nossas reservas estão acabando, sabe disso. Precisamos economizar o máximo possível, e como nossos sensores estão quebrados, não temos certeza da segurança dessa atmosfera. Mesmo com essas coisas sendo humanas.


Ao redor dos dois, outros três homens armados perdidos em seus próprios mundos e divagações. Uma luz vermelha ao lado de Tibério pisca, ele soca o botão abaixo. “Capitão, acho que vai querer ver isso!” Foi o que de lá saiu.


Tibério coloca seu capacete, chuta o computador de mão na direção de Kaji e ambos saem do veículo.


- É, parece que chegamos. – comenta o Capitão Gallore ao dar de frente com uma imensa nave colonial.


***


Duas horas depois, a equipe de exploração termina e repassam as informações para o Dr. Matsumoto que logo se reporta ao Capitão.


- É uma Fragata Colonial Classe B. Tem centenas de anos, provavelmente do primeiro êxodo colonialista.


Como se não desse ouvidos, Tibério vai em direção a nave, limpa a sujeira de uma parte da fuselagem, aparece nela escrito “Amanhecer IV”. A equipe inteira fica em silêncio por segundos que pareceram horas.


- Já verificaram o interior da nave? – Tibério quebra o silêncio.


- Ainda não senhor, o cortador de metais está sendo preparado para isso. – um dos oficiais-cientistas ao fundo se levantando após coletar amostras.


Kaji olha para os lados com desconfiança, procurando algo, então se abaixa e verifica o solo.


- O que foi? – era Tibério.


- Não percebeu? – Matsumoto mostra a região ao redor. – Essa nave prova que eles são humanos, mas não há nenhum por aqui. Não é normal um humano se afastar do abrigo, ainda mais um tão seguro.


- Tem certeza de que olhou para eles? Podem ser muita coisa, mas não são normais. Tornaram-se quase bestas, não devem se comportar como humanos. – levanta o fuzil, verifica o pente, engatilha e trava. – Afinal, já tem alguma teoria de como os colonos chegaram a isso?


- Não temos nossos sensores de atmosfera, mas pelo que conseguimos das amostras de solo e das condições da própria fragata posso afirmar que houveram agressões nucleares contra eles. – ao fundo, o cortador de metais é ativado e inicia seu trabalho. – Não duvido nada que piratas tenham atacado nossas naves coloniais em tempos antigos.


- Quer dizer que a radiação os deixou assim? – Tibério levanta a mão direita e faz alguns gestos ordenando que os fuzileiros se posicionem próximos da passagem sendo aberta. – E você querendo arriscar respirar na atmosfera desse lugar...


- Não posso garantir que a radiação é a responsável, nunca vimos que tipo de mutação ela pode causar em ambientes não controlados. Pode tanto ter sido só isso como também a soma dela as exigências impostas pelo planeta ou mesmo ela não ter nada a ver com isso e estarmos diante do caso de evolução adaptativa de uma espécie mais rápida já presenciada.


- Por favor, por favor. – apóia o fuzil no chão e abaixa a cabeça em decepção. – Seja o cientista que todos sabemos que é e responda qual a opção mais provável? A, B ou C?


- B... – Dr. Matsumoto responde visivelmente a contragosto.


- Ok, temos aberrações genéticas vindas de radiação. Sorte termos aprendido a não brincar mais com isso. – cai um pedaço de metal da nave, ao ouvir o som, Tibério empunha o fuzil e antes de ir fala com Kaji. – Só quero mais um favor, verifique nos arquivos históricos da frota, quero saber quantas outras naves coloniais não responderam e nem nunca foram localizadas.


Tibério entrou na nave liderando os fuzileiros, vasculhando tudo ali dentro em uma mistura de melancolia com apreensão. Ossos humanos roídos em alguns aposentos, tudo apagado, ruídos esganiçados da fragata corroendo, se rendendo ao tempo. A equipe faz a varredura completa em quarenta minutos, com apenas um ter algo para reportar. Uma espécie de túnel abaixo do painel principal na ponte de comando. Pouco depois, toda a equipe de exploração está lá dentro, analisando esse túnel e tentando recuperar os dados de navegação da nave. Tibério se aproxima de um dos cientistas, sem tirar os olhos do túnel e pergunta:


- Vai demorar muito?


- Não senhor! Em três minutos teremos todos os dados transferidos. – respondeu o homem, concentrado em sua função, por menos necessário que seja se concentrar em transferir arquivos.


Tibério se distrai com um chamado em seu comunicador pessoal, parecia uma mensagem de socorro emergencial. Era gravada. Vinha de Imperatriz e dizia algo como “SOS... SOS... Estamos sob ataque... As cois... emboscaram! Aaahhhhhh!”


- Droga, já sei por que não vimos nenhum deles o caminho todo! – Tibério corre na direção do túnel. – Porque eles vivem no subterrâneo!


- De fato, faz sentido dada a palidez da pele deles. – observa Kaji, a despeito da euforia escondida pelo capacete do Capitão.


- Não é isso! Eles emboscaram Imperatriz! Nossa nave está sob ataque! – puxa Dr. Matsumoto pelo colarinho.


– Todos em posição! Recolham os equipamentos! Retorno de emergência e resgate para Imperatriz. Temos dois minutos!


***


A equipe de exploração retorna no menor tempo que pode, mas não é o suficiente. Ao entrarem na nave, tudo o que vêem é sangue, tudo o que cheiram é morte. Corpos de seus amigos, companheiros, amantes, irmãos em pedaços, os que estão inteiros não são reconhecíveis. Tibério segura as lágrimas e o soluço durante os comandos, vai até a ponte e estuda o painel de controle temerário pela luta tê-lo avariado.


- Sargento-Cientista Kernel! – grita, sendo prontamente atendido por um homem baixo, loiro e usando óculos imensos. Extremamente desajeitado, ele tropeça em duas cadeiras antes de se aproximar do Capitão e bater continência. – Parabéns, é agora por falta de opções melhores um oficial-militar e foi promovido para Tenente. Procure não me decepcionar e verifique o estado do motor de nossa menina.


- O-obrigado Capitão! Sim Capitão! – e lá foi ele, tropeçando nas mesmas duas cadeiras.


- O que foi isso? – perguntou Kaji ao presenciar toda a cena.


- Estou recuperando a ordem na tripulação. – tentava não encarar o amigo, passou por ele e se sentou em sua cadeira habitual. – Podem não ser militares, mas tem treinamento, até sairmos daqui e renovarmos os tripulantes precisamos de tudo possível para nos manter em ordem e vivos nesse maldito planetóide fim de mundo. Imagino que saiba que os acontecimentos te tornam meu Imediato.


- Vai mesmo ignorar todas essas mortes como sempre faz? Fugir da realidade? Seus subordinados morreram! Lide com isso!


- Eu estou lidando! Mantendo os que sobreviveram sob ordem para que não acabem se afastando e morrendo como os outros! Fala como se fosse fácil estar no meu lugar! Não é! Você recruta pessoas, convive com elas até amá-las mais do que sua família, então vê seus braços e pernas separados de seus corpos! – se levanta, espalhando perdigotos pelo capacete e levantando o punho cerrado contra o centrado cientista. – E mesmo assim, enquanto recolhe seus pedaços, tem que se manter rígido e não esquecer que qualquer deslize pode te tirar os poucos que sobraram, mesmo que a chance deles sobreviverem seja menor que a de uma ninhada de gatos!


- Senhor! – o agora Tenente Kernel retorna batendo continência. – Tenho péssimas notícias.


- Ah, merda! O que foi agora? – Gallore se vira angustiado, por segundos leva as mãos ao coldre com vontade de puxar a arma e matar Kernel e Kaji ali mesmo para acabar com as noticias ruins e cobranças.


- Os... Os motores estão arruinados Capitão! Disseram que não há esperança nem de concerto. – dá dois passos para trás temendo ser punido. Mas de forma inesperada o Capitão Gallore suspira e desaba em sua cadeira cabisbaixo.


- Kaji, ainda temos tempo para responder às ordens do General Berguer?


- Creio que sim, se usarmos a energia restante na Imperatriz podemos fazer com que ela chegue antes da recusa enviada.


- Então tem sua primeira ordem como Imediato, Dr. Matsumoto. – recobra o orgulho. – Responda a ordem com afirmação, peça para que ignorem qualquer mensagem nossa posterior, mas avise que vamos precisar de carona. Só que dessa vez, em uma nave com aposentos decentes.


- Você sabe que ele vai odiar saber que perdemos outro cruzador.