27.12.09

Fuga

Corredores, corredores, corredores seguiam em todas as direções, que não chegavam à lugar algum. A cada passo que dava, cada volta que fazia, o tenente Nigh se conformava, cada vez mais, que havia morrido.

Não eram os corpos, congelados, cristalizados, presos ao assoalho por uma gravidade artificial que persistiu ao longo dos anos. Também não era pelas formas de vida - ou seja lá o que aquilo for - que ele tinha certeza que o perseguiam, desde que se livrou de sua prisão.

Não.

A sensação crescente de abandono, de não poder, nunca mais, chegar perto do quê ou quem um dia definiram um plano de existência como sua vida, isto era o que o fazia acreditar que aquilo não passava de uma ilusão, uma brincadeira da consciência que se separa do corpo, segundos antes de nada mais existir.

Dentro daquele labirinto que, um dia, foi a esperança de um povo, ele se sentia como uma sombra pálida que ainda não soube onde repousar.

Como poderia ser isto? Aquela era uma nave - praticamente um planeta - inteiramente dedicada à exploração e formação de um lugar onde os povos colocavam sua esperança, onde todos apostavam suas fichas para um novo lar.

Era como mudar de cidade, sabe, com a singela diferença de que você estava indo para um lugar provavelmente habitável, à décadas luz da Terra, e que você provavelmente passaria a maior parte da viagem dormindo, em um estado criogênico, protegido e guardado dentro do núcleo central, o coração da nave, e um dos únicos 3 ambientes inteiramente feito com uma liga de tantos elementos da tabela periódica que deixariam qualquer químico orgulhoso, desde o primeiro até o último quadrante do universo conhecido.

Era necessário, já que o objetivo central de tudo aquilo, o transporte de humanos, precisava de toda a proteção possível, para ser bem sucedida.

Não... não, não, nada poderia ser assim. Se negava a acreditar que tenha tido a má sorte impressionante de acabar assim. Estava sonhando, e a menor sensação de dor...

...e foi aí que viu o risco cauterizante de peptidios no traje espacial, e teve certeza de que aquilo era absolutamente real.

Havia se acertado acidentalmente, quando usou um dos bastonetes laser para evacuação da cabine do caça - e que nenhum daqueles malditos cadetes digam novamente que não servem para nada! - e foi uma sorte ainda dispor de suco enzimático para a cauterização do traje, que absorveu 90% de todo o dano.

Sangrava, é verdade, mas já havia chegado à um ponto onde a dor apenas lanceta, formigando o tecido, e agora era uma questão absoluta de tempo para que ela ficasse abaixo do suportável. Os peptideos também, ele acreditava. Talvez, aquela invençãozinha funcionasse também em corpos, por que não?

Ao menos, ainda respirava sem sentir qualquer penalidade pelo ferimento, e isto era um bom sinal. Ainda mais que, da última vez que deixara o módulo de sobrevivência avançada ligado tempo o bastante para fazer uma sondagem, foi informado por aquela voz irritante, metálica, andrógina, de que suas chances de sobrevivência superiores à 90%.

Bem que ele queria acreditar naquilo.

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